sábado, setembro 20, 2003

O Fato e a Lenda - 20-set-MMIII

Fênix III

Os penúltimos suspeitos são os Políticos. Seriam eles os culpados pela impunidade? Bem, muito se pode falar da grande maioria dos nossos políticos... que são corporativistas, populistas, mentirosos, corruptos, nepotistas. E são, obviamente, culpados pela própria prática da malversação do tesouro público. Não há como se acreditar em algumas figuras que afirmam que tudo acontecia sob os seus narizes mas eles não tinham conhecimento do ocorrido. Mesmo os considerados mais honestos, na qualidade de corporativistas, contribuem para a impunidade sendo – no mínimo - omissos em relação aos ilícitos que assistem e não promovendo leis que punam eficazmente a subtração dos cofres públicos.
E aí chegamos à grande vilã... a Lei. Esta é a verdadeira culpada pela impunidade. Vamos equacionar a questão para melhor entendimento.
Somente a partir de 1988 (com o advento da atual Constituição Federal) e mais intensamente a partir de 1993 (com a publicação da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) é que se fortaleceu a figura do Promotor Público como defensor do patrimônio estatal. Antes disso, os ocupantes de cargos públicos estavam sujeitos à lei, mas não havia um profissional cuja função essencial era fiscalizá-los. A denúncia era vista com ressalvas, eis que não raras vezes escondia interesses políticos. A investigação era feita por profissionais não especializados. Hoje, há a importante figura do Promotor especiliazado na defesa do Patrimônio Público. Sua função é fiscalizar e investigar a atuação dos administradores e servidores públicos e promover as investigações e eventuais denúncias. Não há desconfianças de origem sobre a legitimidade de seu mister. Sem dúvida, um grande avanço. Contudo, esta é uma história muito recente. Tanto assim que a imensa maioria dos Agentes do MP que desempenham funções dessa natureza são jovens que já ingressaram na carreira com consciência plena de sua missão, em sintonia com os novos anseios da sociedade. Nesta trilha, surgiram muito recentemente as primeiras Varas criminais especilizadas na investigação de crimes contra o patrimônio público.
A sociedade informada não aceita mais o “roubo, mas faço”. Neste sentido, o Ministério Público evoluiu muito. Evoluíram também os Juízes. A imprensa, que sempre desempenhou importante função na denúncia mas por vezes pecava pelos excessos, está mais madura. E tudo isso tem apenas 15 (quinze) anos. Estamos na fase do projeto embrionário da pré-experiência!
Se os “Intocáveis” Promotores que investigaram o Igapó Gate receberam prêmios internacionais, deve haver uma razão. O trabalho desenvolvido por eles foi diferenciado e não há notícia de uma investigação tão complexa e eficiente promovida por outro grupo de promotores estaduais (a estrutura oferecida aos promotores federais é muitíssimo maior e não há prâmetros de comparação).
Entretanto, ninguém será punido. E o problema é: a Lei anda sempre a um passo atrás da sociedade. O processo legislativo é lento, ineficiente e sujeito a influências nem sempre legítimas. Pior: os princípios que regem o Direito Penal geral são aplicados à legislação que trata da coisa pública e é exatamente isso que precisa mudar.
No Direito Penal aplicado às infrações do cidadão comum, há duas fases distintas no ponto de vista da aferição de sua culpa: antes da denúncia (ou seja, na fase investigativa policial, que pode ser desempenhada também pelo Ministério Púlbico), os princípios de direito determinam que se atenda precipuamente o interesse da coletividade. Ou seja: na dúvida, você será denunciado! Já na fase do processo judicial, na qual o réu já está identificado, a ordem se inverte: a Lei defende principalmente o direito individual. Em outras palavras: na dúvida, você será absolvido! Tudo com o intuito de se evitar a condenação do inocente.
Não há reparações a fazer sobre esse sistema. Causa arrepios imaginar um cidadão comum, pagador de impostos, respeitador da lei, que tivesse sido condenado por algum vacilo de sua defesa e, na dúvida, tivesse sido hospedado durante anos em nossas luxuosas penintenciárias. Se isso ocorre de maneira esparsa, seria muito mais freqüente caso a legislação apontasse outros parâmetros para a atuação dos Magistrados.
Porém, esse mesmo conjunto de princípios é aplicado ao processo penal que julga crimes contra o patrimônio público. E aí reside a falha. O ocupante de cargo público não é um cidadão comum. Qualquer que tenha sido o caminho para que ele galgasse este posto – eleição, indicação ou concurso – ele tem responsabilidades extraordinárias e deve ser alertado de que os cuidados em sua atuação profissional devem ser redobrados. Assim são os princípios da Administração Pública, que determinam que o agente público só pode fazer o que a Lei expressamente permite, enquanto o cidadão comum pode fazer tudo o que a Lei não proíba.
Segundo esta proposta, o princípio “in dubio pro reu” (na dúvida, atenda-se o interesse do réu) deve ser substituído pelo “in dubio, pro societas” (na dúvida, atenda-se o interesse da sociedade) até o fim do processo. Pergunta o internauta mais atento: e no caso de um político inocente ser condenado? Bem, esta é uma escolha que nossa sociedade deve fazer: não há sistema penal perfeito em qualquer lugar do mundo e o risco da condenação do inocente de fato aumentaria. Entretanto, no meu ver, no estágio em que se encontram nossas instituições, a impunidade dos maus políticos causa um mal muitíssimo maior do que a eventual punição de um inocente. Na realidade atual, os bons cidadãos são desestimulados à participação da vida partidária, a sociedade recebe através da mídia uma péssima impressão de impunidade geral e o cidadão informado perde a confiança nas instituições.

Conclusão do capítulo: Há esperança! Com as devidas alterações na Legislação Penal, os políticos poderiam ser efetiva ew exemplarmente punidos, eis que os promotores e juízes não os condenam simplesmente porque a Lei tem que ser observada como é hoje (e, hoje, ela permite que uma boa defesa praticamente garanta a impunidade). É, porém, necessária muita coragem! Coragem dos bons políticos; coragem dos líderes de classe; coragem dos cidadãos de bem; coragem da mídia, coragem dos operadores de direito. Coragem para promover mudança, sem medo de ser atingido pelo próprio dispositivo que defendeu.

(continua amanhã)


Outro fato:

Notícia da Folha de Londrina, de ontem: O Líder da SOUST – Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade, Inri Cristo, filho de Deus (quem não é????), nega-se a pagar as multas pelo excesso de velocidade flagrado pelos “vampiros de mau agouro” (pardais eletrônicos) e que foram cobradas do templo ambulante de sua igreja (o filho de Deus anda de Toyota 72). Ele compareceu pessoalmente ao gabinete da Diretora de Trânsito de Curitiba, para protestar. Inri não faz milagre: as multas persistirão.
Eu já tive a oportunidade de ler o hilário documento de constituição da Soust, quando trabalhava na Receita Estadual. Inri pleiteava, então, isenção do IPVA para o templo móvel. Também não conseguiu, o que reforça a idéia da ligação de nosso governo com o coisa ruim.
O site do MÉPIC - Movimento Eclético Pró INRI CRISTO é o caminho para você conhecer melhor esta igreja, que possui conta corrente no Banco do Brasil (como é que o Nizan ainda não aproveitou essa deixa???? Banco do Brasil, o banco escolhido pelo filho de Deus...).
Muito mais direta é a “Igreja da Salvação Divina”, que promete salvação pela internet, desde que você faça um depósito ou utilize seu cartão de crédito de preferência.


Amanhã: Quais instrumentos legais levaram às prisões no caso Igapó Gate e por que os réus ficaram tão pouco tempo atrás das grades? Falarei, ainda, sobre o Curupira!



All Aboard!!!

Gustavo Lessa Neto
(Advogado, mas de bem com a vida)

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