sábado, setembro 13, 2003

O fato e a Lenda - 13setMMIII

A Internet é o retrato de nosso tempo. Cheia de contradições, pode ser instrumento de inserção ou de exclusão social; salvar ou ceifar vidas; responder a suas dúvidas ou deixá-lo aflito com as mesmas multiplicadas. E, se de fato assim o é, o site de busca Google é uma espécie de Ibope instantâneo... radiografia do que se passa nesse mundo paralelo. Descobri, no Google, que a palavra crise ocorre 329.000 vezes. Em comparação, a palavra recuperação só aparece 246.000 vezes. Nem a esperança consegue ser maior do que a crise: 261.000 ocorrências. Porém, alto lá: uma palavrinha ocorre 388.000 vezes na Internet, em português: . Sábia Internet, onde, como na vida real, a fé é maior do que a crise. Grande País!


O Saci

O saci é um diabinho de uma perna só que anda solto pelo mundo, armando reinações de toda sorte: azeda o leite, quebra pontas das agulhas, esconde as tesourinhas de unha, embaraça os novelos de linha, faz o dedal das costureiras cair nos buracos, bota moscas na sopa, queima o feijão que está no fogo, gora os ovos das ninhadas. Quando encontra um prego, vira ele de ponta pra riba para que espete o pé do primeiro que passa. Tudo que numa casa acontece de ruim é sempre arte do saci. Não contente com isso, também atormenta os cachorros, atropela as galinhas e persegue os cavalos no pasto, chupando o sangue deles. O saci não faz maldade grande, mas não há maldade pequenina que não faça.
(O Saci / Monteiro Lobato. - São Paulo: Editora Brasiliense)

Essa deliciosa descrição do Saci feita pelo Tio Barnabé povoa a memória dos felizes brasileiros que foram apresentados aos livros de Monteiro Lobato por seus pais ou professores.

A maioria das lendas que compõem nosso maravilhoso folclore tem origem africana ou indígena e encontrou no homem do campo seu terreno mais fecundo. É a forma simples do caboclo explicar o inexplicável e, por vezes, justificar de forma esotérica os seus erros mais humanos. Assim, o sumiço de uma tesoura, o feijão queimado e o inusitado redemoinho ganham uma explicação lógica e incontestável: artes do Saci. É a mentira honesta e inofensiva, uma das características mais interessantes do nosso caipira.

Noite espetacular. Desligamos as luzes da casa para enxergar o maior número de estrelas possível. Cadeiras na varanda, silêncio absoluto, paz de espírito e confissões de adolescentes. Ao lado dos “meninos da cidade” (André, Codato, Ângelo, Filinto e Gustavo), o empregado da fazenda (se não me engano, o João), quieto e observador. Só Deus pra saber o que estava a pensar sobre as nossas brincadeiras, que versavam – lógico – sobre o nosso ambiente urbano. De repente, pergunto para o João: “Você acredita em mula-sem-cabeça?”. Resposta: “Não, ‘seo’ Gustavo. Não acredito, não. Mas tem um homem muito letrado e inteligente que mora no patrimônio e que já viu duas delas. E nele, eu acredito!” Sem comentários...

Voltemos ao Saci. Mede, em média, um metro de altura. Tem um penacho vermelho que se parece com um gorro e masca pedaços de bambu, de forma que parece estar fumando um cachimbo. Mas pode ser visto, em suas estrepolias, efetivamente fumando e com um gorro vermelho roubado dos humanos. Existem 3 tipos de Sacis: O Pererê, que é pretinho, o Trique, moreno e brincalhão e o Saçurá, que tem olhos vermelhos. Ele também se transforma numa ave chamada Matiaperê, cujo assobio melancólico dificilmente se sabe de onde vem. Povoa florestas próximas a fazendas e tem hábitos noturnos. Há, pasmem, uma Associação Nacional dos Criadores de Saci, presidida por José Oswaldo Guimarães.

É difícil encontrar um saci, pois ele é arisco e detesta fotografias. Ao sumir, transforma-se num rápido redemoinho. Entretanto, é atraído por melodias românticas e pelo cheiro de churrasco e álcool. Talvez por isso, a maioria dos que vêm sacis com freqüência está reunida entre amigos, em volta de uma churrasqueira, no fim de noite, tocando violão e tendo bebido o dia inteiro.

E você, caro internauta... que lenda - brasileira ou estrangeira - você contou para o seu filho nesta semana, antes de dormir? Dê a ele a oportunidade de sonhar com sacis e curupiras. Estimule a sua imaginação. Seu cérebro precisa de exercícios e o show da Xuxa não é a melhor academia. Corra a uma livraria e compre um Monteiro Lobato, um Irmãos Grimm... o adulto que ele será agradece!

All aboard!


Gustavo Lessa Neto
(Advogado, mas de bem com a vida)

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