segunda-feira, outubro 13, 2003

São Paulo, a cidade de 77 climas


A temperatura na maior metrópole brasileira varia até 10 graus no mesmo momento

São dez horas da manhã de 3 de setembro na maior metrópole do Brasil. O ano, 1999, quando foi feita uma das medições da pesquisa que fundamenta esta reportagem, mas o cenário mudou pouco nesse tempo. Em meio ao corredor de prédios e ao barulho do trânsito da avenida Paulista, é fácil ver homens com ternos escuros e mulheres desfilando sobre saltos com tailleurs quase sempre pretos. Por causa dos 28º Celsius, atípicos para a manhã ensolarada de final de inverno, os trajes parecem pouco adequados, mas são exigências do trabalho no maior centro financeiro do país - e, é verdade, a temperatura pode cair à tarde. Oito quilômetros a oeste dali, na mesma hora, em mangas de camisa, os vendedores do mercado municipal da Lapa atendem seus clientes - nas redondezas do mercado, a temperatura é de 32º Celsius. A 10 quilômetros dali, em um bairro do lado oposto, na Mooca, não é menos intenso o calor enfrentado pelos comerciantes e moradores.

A diferença de temperatura, que incomoda quem vive em São Paulo, pode chegar a dez graus no mesmo horário entre dois pontos próximos, como o Parque Ecológico do Tietê e a Marginal do Tietê, a dez quilômetros um do outro. Quem sofre mais com essa peculiaridade da maior cidade brasileira são os habitantes das favelas e dos cortiços, seguidamente empurrados para regiões cada vez mais distantes do centro. Suas casas, despreparadas para enfrentar as oscilações de temperatura, são como fornos durante o dia e geladeiras à noite. O põe-e-tira de agasalho - e, claro, a propagação de habitações precárias, nas quais vivem 12% dos 10 milhões de moradores da capital - é conseqüência do crescimento desordenado da metrópole, agora esmiuçado com a publicação este mês do Atlas Ambiental do Município de São Paulo, projeto conduzido pelas secretarias municipais do Verde e do Meio Ambiente e do Planejamento, com apoio do Biota-FAPESP, programa de levantamento da flora e da fauna paulistas.

O Atlas, cujos primeiros resultados foram anunciados em dezembro de 2000 (veja Pesquisa FAPESP nº 60), já se encontra na internet ( clique aqui ).
O Atlas mostra como se distribuem os 200 quilômetros quadrados que ainda restam de vegetação intacta no município, o equivalente a 13% do seu território (1.512 quilômetros quadrados). Ao longo de seus quase 450 anos, a serem completados no início de 2004, a construção de casas, prédios e indústrias pôs abaixo 87% da vegetação nativa da capital paulista. De acordo com esse estudo, coordenado pela geóloga Harmi Takiya, subprefeita da Moóca, a cidade perdeu um quinto de sua vegetação natural entre 1990 e 2000.

Hoje as árvores se concentram nos 39 parques estaduais e municipais e em poucos bairros - Jardins, Pinheiros e Morumbi, na Zona Oeste, e Moema, na parte da Zona Sul mais próxima ao Centro. Mas à medida que se segue rumo a Capão Redondo e Jardim Ângela, no miolo da Zona Sul, o braço mais longo da cidade, a cerca de 20 quilômetros do Centro, as árvores escasseiam. Ganha espaço uma paisagem horizontal absolutamente urbana, com prédios esparsos e impressionantes conjuntos de casas precárias - e a temperatura sobe, lentamente. Em bairros mais próximos da serra do Mar, como Marsilac, por causa da proximidade com a reserva de Capivari-Monos, a temperatura é bem mais baixa, oscilando ao redor dos 23º Celsius.

Mosaico de microclimas
Em uma das vertentes de trabalho do Atlas, uma equipe da Universidade de São Paulo (USP) descobriu que, em conseqüência das distintas formas de ocupação do espaço urbano, a cidade apresenta 77 climas diferentes - vistos em uma concepção mais ampla, que, além da temperatura e da umidade do ar, considera os fatores que alteram as características do clima e influenciam o bem-estar das pessoas, como o tipo de construção predominante (mais ou menos casas, prédios ou favelas) e a intensidade do trânsito, já que a temperatura pode subir com o calor emitido pelos carros e a poluição.

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